segunda-feira, 29 de março de 2010

Letra Livre

O ditado da mudez infinda

Alice Canuto

Para que pudesse ser mais que o combinado, e que fosse mais um dia.

E que ficasse o cheiro das amêndoas amargas, o gosto do primeiro peixe cru, do rio que não tinha destino e admirávamos enquanto tínhamos aquela velha discussão interminável sobre as coisas inúteis do mundo – tão sem destino quanto o rio.

A coragem de olhar para o mundo com olhos de poeta, aquele velho ditado das coisas mudas, a memória tão injusta de que tudo aconteceu como aconteceria.

Porque não é só o que fica que é nosso. O que vai embora também é.

O quanto não fui também sou.

Tudo isso – e não isso – sou.

As chegadas também são partidas d’um outro lugar que antes também tinham sido chegadas.

Por mais que tudo parta, tudo fica.

O tempo passa, eu fico.

Eu fico com o tempo, com o tempo que passa.

Eu fico, e o tempo fica com eu que fico.

Porque nós também somos feitos das cartas de amor que nunca mandamos,

E entulhamos num canto da gaveta desorganizada que somos nós.

A gaveta que trancamos e jogamos a chave fora.

Porque a maior saudade que nós sentimos, não é do que nós vivemos, mas do que nós não vivemos, e dói em carne viva…

Como se ao olhar fosse sonho por fora, e ao mesmo tempo, sendo real por dentro…

Porque era preciso ser mais Id, Ego e Superego.

Era preciso ser vivo, pulsante, e para isso, sem mais nomenclaturas as quais fingimos emoção…

E transcendermos.

Onde existe um tempo, em que não precisamos mais contar quanto tempo já foi, nem quanto falta.

Mas assim: o passado vivido e não vivido, o presente que chega sem pedir licença, e o que virá não interessa como o futuro do mundo.

Porque mesmo com tantos impasses que a vida já nos pregou,

Tantas vezes que eu fiquei de ir e não fui,

E quantas vezes você ficou de vir e não veio.

Eu sei que nós sempre estivemos presentes mesmo na ausência.

Porque, para nós, nunca precisou ser físico para ser real.

E nem que fosse infinito para que se consolidasse em impressão perene da infinitude que um abismo tem ao se abrir.

Porque sempre foi a nossa loucura que nos manteve lúcidos.

O para sempre que é para sempre, mesmo quando o para sempre não é para sempre,

O para sempre nunca acaba.



p.s.: Esse é um dos textos do livro Letra Livre Goiânia Ouro – Coletânea com poetas integrantes do sarau poético e musical Letra Livre, do Goiânia Ouro. Ganhei um exemplar de presente do Kaio Bruno (também autor e organizador).

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