Lenine em ideias
*texto publicado originalmente no Portal UFG.Irreverência e bom humor marcaram a passagem do cantor e compositor Lenine por Goiânia. Longe da capital há dois anos, o artista e público demonstraram saudade recíproca. Antes da passagem de som, o músico guardou um espacinho para conversar com a imprensa. Indo de meio-ambiente à internet, Lenine falou de tudo. A que conclusão chegamos? Opiniões fortes de um artista com muito o que dizer. Confira abaixo, um pouco mais de Lenine e saiba como foi o show no Centro de Cultura e Eventos da UFG aqui.
No álbum mais recente, Labiata, a música “É Fogo!” é sobre o meio-ambiente. Lá você fala que antes quem lutava pelo meio-ambiente era visto como louco. Na sua opinião, como o seu discurso e o de outros que defendiam o assunto dessa forma ajudou a conscientização dessa problemática?
Quando eu tenho esse estímulo de fazer uma canção, eu estou levando em consideração a possibilidade daquela canção, de alguma maneira, tocar uma pessoa. Evidentemente, o que eu estou cantando tem uma importância muito grande, porque eu tenho essa responsabilidade de saber como o que eu faço bate na cabeça das outras pessoas. Então, eu acho que sim, contribuo quando levo questões apartidárias. Educação, por exemplo, não é uma questão de partido, não é uma questão de esquerda ou direita, e sim, apartidária. Quando se fala em saúde, está se falando em humanidade. Então, nesse sentido eu contribuo dando meu depoimento, questionando pessoas a se questionarem, participando de projeto como About us, Samar e o SOS Mata Atlântica, a WWS. Isso tudo são relações que você vai estabelecendo no intuito genuíno de querer fazer alguma coisa saudável para o bem do planeta. Sim, eu sou um cara otimista e romântico a esse ponto.
No inicio da carreira uma das características da sua música era o regionalismo. Ele ainda permanece, mais foi diluído em uma sonoridade mais universal. Você concorda com essa afirmação? Por que?
Eu não concordo e vou ser sincero. Tudo o que eu fiz foi porque aprendi a fazer. Todos meus discos foram co-produzidos por mim. Então, o que é caracterizado como regional se perde na medida que o ouvinte não tem essa informação do que é ser regional. Um exemplo: é fácil para qualquer pessoa no Brasil identificar na minha música o que ela tem de regional. Quando eu canto “Leão do Norte” qualquer brasileiro vai falar “Pernambuco na parada!”. Quando eu saio do Brasil, isso se perde. As pessoas identificam no meu trabalho justamente o que ele não tem de brasileiro. Olha que loucura! Na Finlândia eles dizem: “nossa, você é o melhor rock feito atualmente.” Não que minha música não tenha rock, ela tem. Mas é na medida em que você se reconhece nessa informação. O que para uns pode ser regional, para o esse cara o regional foi rock. Então, é bacana ouvir nos Estados Unidos: “você é soul, cara”. E eu tenho a impressão... eu acho que também sou! (risos) E isso porque a gente é uma esponja. Eu me lembro que a melhor definição que deram para o Brasil ainda remonta a Semana de Arte Moderna de 1922. Somos antropófagos. A gente não tem grilo de comer, comemos tudo! E, vomitamos com um sabor muito especial. É o melhor que a gente tem. Aliás, aquela famigerada carta do Caminha tem muita bobagem, mas em um parágrafo ele diz assim: “Aqui, plantando, tudo dá.” Eu sou adepto disso. O que é regional? Eu não sei. Eu sei é que as ideias que eu uso passam por onde eu vivi e eu vivi no Recife, como vivo no Rio de Janeiro e vivo no mundo. Tudo isso, de alguma maneira, interage com a minha música. Eu sou regional, assim como, sou cosmopolita. Meu trabalho é de raiz e de antena.
Você tocou no assunto exterior. Seu som faz muito sucesso na França, por exemplo. Como sua música é recebida em terras estrangeiras? Ela é recebida fora do estereótipos de música de brasileira?
O mercado francês é ímpar e a França se tornou, ao longo dos anos, quase um segundo país para mim. O que revela uma coisa: eu não fiquei tocando num nicho, mesmo tocando em português. Por exemplo, eu entro numa prateleira de CD’s e estou ali em pop contemporâneo e eles nem associam com o Brasil, na França. Já na Inglaterra, eu jamais seria rock e no Japão eu sou rock. Não me interessa muito aonde meu trabalho é classificado e nem onde vai meu disco aqui no Brasil. Em que prateleiras vai meu disco? Durante anos as rádios que tocavam MPB diziam que meu trabalho era muito rock’n’roll e as rádios de rock diziam que o som era muito MPB. Eu penso que seja um tipo de híbrido que descobriu um público carente para ouvir isso aqui no Brasil e fora do país. Hoje em dia eu faço da maneira que eu sempre fiz, com prazer juvenil, e isso porque não distanciei nem um milímetro do desejo de divertir informando as pessoas. E eu posso fazer isso dentro do Brasil e no exterior. Olha que bacana! Eu sou um felizardo, cara!
Você é um artista que passou por um período de força da indústria fonográfica tradicional e a transição para esse mercado aberto de agora. Quais as possibilidades novo cenário criou para a sua carreira?
Eu já fui uma transição, uma pedra no sapato, porque ao longo desses anos todos eu produzi meus discos. Gravadora nenhuma, em momento nenhum, me convidou para fazer um disco. O meu processo foi ao contrário. Se eu não fizesse, ninguém iria fazer. E eu acreditava, como acredito hoje, que era uma coisa honesta e por isso estou aqui hoje. Então, eu não sou exemplo para nada. Talvez seja exceção. E minha carreira está intimamente ligada com o universo da internet. Quando eu fiz o álbum “Olho de peixe”, a primeira coisa que eu fiz foi descobrir na internet (que na época engatinhava) os festivais internacionais que se adequavam ao meu tipo de música. Então, eu enviei os discos para lá e dois anos depois eu estava viajando pelo mundo todo. Eu não estou descobrindo isso agora. Por exemplo, o meu site recebe de três em três meses um material inédito. Agora no final do ano, eu estou oferecendo uma canção nova. Essas canções não existem em objetos físicos. Só tem quem é cadastrado, uns 80 mil que me acompanham e compram meus discos. Então, para essa turma eu faço questão de dar de graça. Agora, não me peça para dar de graça tudo que eu tenho para vender. Eu é quem posso, eventualmente, lhe dar de graça. (risos)