Think of me when you close your eyes
But don't look back when you break all ties...
Encontrei esse disco no lugar que julgava mais improvável: Pelourinho em Salvador. Ele resistiu 26 horas entre litoral, caatinga, cerrado e um ano no meu quarto. Agora que finalmente consegui ouvir o LP, senti a necessidade de fazer um faixa a faixa. Há dois anos atrás coincidentemente comecei pelo primeiro álbum da Legião Urbana. (leia aqui) Nesse ritmo até o fim da vida falarei de todas as músicas, de todos os álbuns da Legião. Isso aqui é também uma forma de protesto contra a “galerinha” que diz Legião Urbana é infantilidade. Desafio a ouvir até o fim, não importa se eu tenha vinte e dois, doze ou dois. Dois, porque "Eduardo e Monica é mais importante que Geração Coca-Cola porque o amor é mais importante que tudo" by @makegraves. Ok, vamos logo com isso!
LADO 1
Daniel na Cova dos Leões
Era, 1986. A banda já alcançara relativo sucesso no primeiro álbum. Porém, a Legião suavizou a pegada (temática e sonórica) e o disco começa como uma mudança de estação de rádio. Quem ouvia Será agora é transportado para a faixa “leve, forte, cega e tensa”. A música, como muito discutido, e afirmado pelo próprio Renato Russo retrata (muito nas entrelinhas) um relacionamento entre dois rapazes. De uma maneira tão bonita, que mesmo com conotações sexuais, a tal relação nunca havia passado pela minha cabeça.
Primeira composição, de poucas, da dupla de Renatos (Russo e Rocha). Daniel abre um disco caracterizado pelo ambiente pós-punk da época. Em 1986, julgaram a Legião como cópia de The Smiths. Será?
E o teu momento passa a ser o meu instante.
E o teu medo de ter medo de ter medo
Não faz da minha força confusão:
Teu corpo é meu espelho e em ti navego
E sei que a tua correnteza não tem direção.
Quase sem Querer
Raio-X de sentimentos. É aquele tipo de música que temos vontade de cantar para alguém, mas nunca cantamos. Seja por falta de coragem ou de alguém, mas é impossível não identificar-se. É uma das letras mais delicadas e claras de Renato. Já até escrevi sobre uns posts atrás.
Já não me preocupo
Se eu não sei porquê
Às vezes o que eu vejo
Quase ninguém vê
E eu sei que você sabe
Quase sem querer
Que eu quero o mesmo que você.
Acrilic on Canvas
Não é música, é poesia. Fanatismos a parte, Renato constrói um quadro de um amor platônico ou malsucedido. “De você fiz o desenho mais perfeito que se fez: os traços copiei do que não aconteceu…” A base da música é o pós-punk, quase bruto. A linha de baixo comanda do início ao fim ao lado da bateria firme, e sobra para as guitarras e teclados a criação da onda mística que geralmente envolve a Legião Urbana.
Ninguém sofreu: é só você que provoca essa saudade vazia
Tentando pintar essas flores com o nome
De “amor-perfeito” e “não-te-esqueças-de-mim”.
Eduardo e Monica
Por detrás da historinha de amor bê-a-bá, esconde-se um jogo de simples e eficientes ao lado de outra homenagem à Brasília (Se encontraram então no Parque da Cidade / A Mônica de moto e o Eduardo de camelo / O Eduardo achou estranho, e melhor não comentar /Mas a menina tinha tinta no cabelo). Fruto da época em que Renato deu “see you later” para o punk e incorporou um Bob Dylan candango. Com a companhia somente da voz, o violão, ele subia ao palco e cantava Eduardo e Mônica.
E quem um dia irá dizer
Que existe razão
Nas coisas feitas pelo coração?
E quem irá dizer
Que não existe razão?
Central do Brasil
Faixa instrumental, mas a temática é o transporte público. Ônibus ainda era o meio de transporte mais usado por Renato Russo para transitar pelo Rio de Janeiro.
Tempo Perdido
Uma vez, assisti uma especial Renato Russo na Multishow onde Nazi (ex-Ira!) resumiu a sensação dessa música: “Nos querem jovens, vampiricamente jovens.” Em concordância com essa ideia, no clipe a imagem do grupo em preto e branco é alternada por fotos de artistas que mortos na juventude. Ironia do destino. Mas, enfim, é um dos meus vídeos favoritos e onde fica clara a conexão da Legião Urbana com o rock inglês de Manchester (Joy Division + The Smiths). Tempo Perdido foi um marco. Depois dessa canção, a Legião subiu um degrau acima de todas as milhões de bandas do BRock. Nascia a “Religião Urbana”.
Nosso suor sagrado
É bem mais belo que esse sangue amargo
E tão sério
E selvagem.
Veja o sol dessa manhã tão cinza:
A tempestade que chega é da cor dos teus olhos castanhos.
LADO 2
Metrópole
A selva de pedra está retratada aqui. Sadismo, cinismo e burocracia. Leis máximas de sobrevivência na metrópole. “Ordens são ordens”. A Legião Urbana bate forte e volta ao punk mais primitivo nessa faixa, algo indispensável mostrar o inconformismo.
"É sangue mesmo, não é mertiolate"
E todos querem ver
E comentar a novidade.
"É tão emocionante um acidente de verdade."
Plantas Embaixo do Aquário
Essa é uma aula de diplomacia em 2’54’’. Português e um rolo com inglês e francês. O mantra se desenrola e “não deixe a guerra começar” fica para sempre na cabeça.
Aceite o desafio e provoque o desempate:
Desarme a armadilha e desmonte o disfarce.
Música Urbana 2
Ponto de ônibus lotado e o sol rachando sob o planalto. Poderia ser o momento que Renato sentou e rabiscou Música Urbana 2. Ou então, simplesmente tirou o violão da capa e cantou em troca de umas moedas. Bem folk mesmo.
Não há mais mentiras nem verdades aqui
Só há música urbana.
Andrea Doria
A faixa mais triste do disco. Arrependimentos e... Não sei mais o que escrever sobre Andrea Doria.
Às vezes parecia que era só improvisar
E o mundo então seria um livro aberto,
Até chegar o dia em que tentamos ter demais,
Vendendo fácil o que não tinha preço.
Fábrica
Onda de esperança para os jovens. Não é novidade nas letras do Renato, mas nessa ele aborda diretamente coisas que mais nos angustiam: precisamos de um lugar ao sol, ou seja, trampo, emprego, trabalho, etc, etc, e ao mesmo tempo, trata da questão do meio-ambiente. Porém, claro, a subjetividade ainda impera.
Esse ar deixou minha vista cansada,
Nada demais.
“Índios”
Aspas são sugestivas. Eu, tu, ele, nós, vós, eles somos índios. Conheço essa música há tanto tempo e ainda hoje não consigo dizer ao certo o tema dela. Meu palpite, é que “Índios” aborda a perda da inocência. Toda essa vibe de ouro entregue em troca de nada, rasgar pano de chão de linho nobre e pura seda… Subterfúgio para inocência roubada dos índios, mas que na verdade trata da nossa própria jornada de amadurecimento, baseado em corrupção. Não no sentido de roubo, e sim, na necessidade que temos de corromper princípios e sentimentos para sobreviver. Tudo isso ao som de teclado, bateria e contrabaixo elétrico.
Quem me dera, ao menos uma vez,
Como a mais bela tribo, dos mais belos índios,
Não ser atacado por ser inocente.
URBANA LEGIO OMNIA VINCIT
Se eu disser que escolhi o Jornalismo, seria mentira. De todas as escolhas importantes que fiz na vida, essa foi a mais casual e fácil de todas. Não que eu tenha sido daquelas que sonham em ser repórteres desde a infância. Não, mesmo. A ideia foi tomando forma com o tempo, e decidi em minutos. Simples assim. Claro que entre idas e vindas, já odiei, decepcionei, me entediei e sei que isso ocorrerá inúmeras outras vezes. Só ainda não sei é até quando conseguirei conviver com as contradições disso tudo que é fazer Jornalismo. Mas vamos com calma, ainda é o começo.
p.s.: Na foto, um gravador super antigo pertencente ao Museu do Senado.