Já era umas seis da tarde e eu não havia colocado uma migalha na boca. Para completar, uma dor de cabeça chata. Num instante eu iria desmaiar, no outro estava sentada de frente para um senhor mais velho que meu avô. Bem, era uma entrevista. Depois de fazer umas perguntas capengas e ouvir umas respostas simpáticas, resolvi arriscar:
- O senhor citou, durante o debate, a Clarice Lispector. Talvez, eu esteje enganada mas parece que ela está na moda… livros sobre ela sendo lançados e tal. Para o senhor, por que se fala tanto nela agora?
- A importância da Clarice é desde seu primeiro romance. Quero dizer, é uma escritora de tal abundância, de tal força literária, que desde o início aqueles providos de conhecimento literário sabiam que estava nascendo ali uma estrela. O Antônio Cândido, por exemplo, escreveu logo no início da carreira dela quando ela, jovem, publicou o primeiro romance. Eu cheguei a estar com Clarice Lispector algumas vezes e nunca exprimi a ela, verdadeiramente, o que eu achava porque faltava ambiente... ela morava no Rio e eu estava morando em Belo Horizonte. Mas depois, quando eu fui para São Paulo, nós tivemos mais contato. E quando ela estava no hospital, já em fase próxima a morte, em novembro de 1977, eu fazia a crônica da Veja e escrevi uma apaixonada pelo lançamento de “A Hora da Estrela”. Ela leu e telefonou para mim, agradecendo o artigo, pelo entendimento, acho, que ela concebeu manifestada a cerca de sua obra. Então, tenho a impressão que a Clarice ficou muito motivada, muito emocionada, com o meu artigo na Veja. Eu conversei com ela em novembro. Em dezembro, ela morreu. (pausa constrangedora) Triste.
Olhando nos olhos dele e em saber muito o que responder, fui sincera:
- É… triste!
Enquanto ele autografava outro livro, eu “saí discretamente pelas” costas do escritor.
p.s.1 : o entrevistado é Fábio Lucas. Ele falava sobre cinema e literatura. Nunca tinha ouvido falar nada a respeito do cara, mas ele é um respeitado crítico de arte. Tem vários livros lançados também.
p.s.2.: Clarice Lispector escreveu seu primeiro romance com 17 anos. Chama-se "Perto do Coração Selvagem" e eu dei um exemplar para a dona Cindy Faria no último natal. Até hoje ela não me emprestou. Fica a dica, bjs.
No vídeo abaixo, parte de uma entrevista concedida por Clarice em 1977 para a TV Cultura. Ela fala sobre uma novela ambientada no Rio de Janeiro, a heroína é uma nordestina. Frase final: "Por enquanto, estou morta. Estou cavando o meu túmulo".