segunda-feira, 13 de julho de 2009

"And pretty girls make graves"


As noites urbanas são as mais convidativas para uma sexta-feira melancólica. A iluminação da cidade, dos carros, das poucas estrelas e da lua. Mas não era daquela vez que eu poderia observar o cotidiano. Ok, pelo jeito iria chover, eu estava só e sem saber onde ir. Caminhava por entre os prédios e a ventania. Deveria decidir logo, antes do perigo. A chuva começou, não teve jeito, corri. Entrei no primeiro buteco à vista e foi ela quem prendeu minha vista. Fumava, bebia, tragava e suspirava. A bebida era como um vinho vulgar, só que mais escuro. Era de fato, preto.

Sentei numa das mesas vazias e pedi vodka. Normalmente pediria uma cerveja, claro. Porém, eu não queria demonstrar minha banalidade de sempre. Não! A vodka escorre pela garganta como ela, forte, amarga e intensa. Eu não pude resistir e ela estava no milésimo cigarro. Coberta pela coragem de quase nunca, sentei-me na mesa com ela.

De cabeça baixa, ela levantou o olhar. Eu queria, deveria, dizer algo, mas só consegui erguer a sobrancelha. Então, ela disse… o que ela me disse? "Como é que ninguém percebeu que eu morri e decidiu me enterrar?” Foi triste. Fiquei sem palavras, talvez sem ar. Murmurei algum argumento fútil sobre a vida. “Você julga viva uma pessoa presa em dias iguais?” Ela me desafiava novamente.

Pedi outra dose para o dono do buteco. Ela acendeu outro cigarro. Eu tentei provar a impossibilidade dos dias iguais. Ela me olhou com desprezo e falou: “Que tipo de vida eu posso ter quando já me vejo 20 anos mais velha?” Sem perceber, eu tossia pela terceira vez. Era a fumaça dos cigarros baratos. O que ela disse?

- Desculpe, eu fumo porque estou esperando uma morte precoce. E preciso me agarrar a algo.

- Quantos anos você tem, garota?

-Vinte e um, que parecem mais que duzentos e dez.

Eu ri com a resposta. “Eu também tenho vinte um anos”, comentei entre outro gole.

-Aceita um cigarro?

A chuva ainda não havia passado.




p.s.: Escrevendo besteiras ao som e à leitura de What she said, música dos Smiths. Aliás, os versos em itálico foram copiados da letra. Na íntegra. Ouve aí embaixo.





sábado, 11 de julho de 2009

Queda


"É aquele sentimento

Em que você não precisa dizer palavra alguma

Você não fala

Mas alguma coisa é definitivamente ouvida

E essas cadeiras

Não me deixam ir a lugar algum

Essas cadeiras

Me seguram como eu queria que você me segurasse

Eu não quero chorar a cada manhã

Eu não quero chorar a cada noite

Eu não quero mais bater minha cabeça contra as paredes

Quero ver você de novo

E quero tocar você de novo

E quero me sentir como me sentia quando estava com você

E eu quero sentir...

Os sóis se puseram finalmente

E o ar está tão quente que chega a me beijar

E eu sei que você está lá fora

E eu me pergunto se você está pensando em mim."

Kaia - 16


terça-feira, 7 de julho de 2009

Rock + garotas = Vontade pura e concentrada


Lanchar, papear ou brincar. Era o que a maioria dos alunos faziam durante o recreio, mas ela gostava de, às vezes, variar e ir à biblioteca. Além dos livros, a biblioteca do colégio tinha assinatura de revistas. A menina pegou uma delas, a mais típica para a idade, Capricho. Entre dicas sobre “como encontrar um namorado” ou orientações sexuais para meninas de 13 anos, ela encontrou algo realmente legal. “Você sempre quis tocar / Você sempre quis andar de skate / Você não é um enfeite!” Para uma adolescente, isso era revolucionário. Bem mais que simplesmente o rock’n’roll.**

Na reportagem, uma moça dizia que o papel feminino dentro do rock poderia ser maior do que simplesmente ouvintes, groupies, e por excelentes mas poucas vezes, cantoras e compositoras. Garotas poderiam montar suas próprias bandas e falar sobre os problemas enfrentados. Era o movimento Riot Grrl. A entrevistada era Elisa Gargiulio, vocalista da banda Dominatrix. E a jovem leitora carrega o nome do “patinho feio do rock”: Cindy Faria. A vida dela havia mudado naquele instante.

Anotado o nome da banda, Cindy resolveu investigar na internet. Uma gama de bandas, ideias, músicas apresentou-se para ela. Logo, ela descobriu onde estava a origem do Riot Grrl: anos 90, Estados Unidos e Kathleen Hanna. Revolucionária pela própria existência, não é novidade para ninguém que a música de Kathleen Hanna soa como hino para uma geração de meninas. A historinha é basicamente essa: anos 90, Hanna e cia fundaram uma banda que viria a ser conhecida como símbolo do movimento Riot Grrl. O Bikini Kill e outros grupos Riot Grrl fizeram mais que isso e passaram a apresentar conteúdo feminista em suas letras.

“Só porque meu mundo, querida irmã / É tão fudido de tantos estupros, significa que meu corpo deve sempre ser uma fonte de dor? / Não, não, não. // (…) Eu acredito em possibilidades radicais de prazer.” // Bikini Kill – I Like Fucking.

Assim, o movimento propunha a conscientização por meio da música, que sonoricamente é punk. Encarado como moda passageira ou como uma bomba relógio em potencial, o Riot Grrl ganhou certa notoriedade na época e o apoio de roqueiras velhas de guerra como, Joan Jett. Pouco tempo depois de digerir tanta informação, Cindy já tinha um blog, uma banda e um skate escrito Riot Grrl.

Há poucos quilômetros e dias de Cindy, três garotas, movidas por motivos diferentes, sonhavam ter uma banda. Irmã, irmã e prima. Guitarra, baixo e bateria. Elas queriam ser o Blink-182 versão menina. Tom, Mark e Travis eram lindos e o som era algo realmente empolgante. Porém, havia um problema. Ninguém tocava. Meses depois, mesmo com o problema não resolvido, dois a mais na turma e pronto. Eram As Trepadeiras Selvagens. Para fazer punk não precisa-se tocar muito mesmo. Em pouco tempo, Lorrayne Vieira (ou melhor, Lola), tocava baixo e gritava violentamente nos back vocals: “É tempo de revolução (revolução) / O poder está em nossas mãos (autogestão).”**

Os versos ilustram uma das influências de Lola e Cindy. O grupo brasiliense Bulimia fazia um punk rock direto, agressivo e com letras ácidas. Mesmo extinta, a banda ainda mexia com os sentidos e ensurdecia vizinhos por aí. Além disso, a história das meninas e do Bulimia partia da mesma veia pulsante. Como a história do grupo é conhecida por todas Riots que se prezem (fui uma, beijos!), eu conheci a antiga guitarrista no show da sua nova banda. Contatos presenciais feitos, 4 anos depois ainda fui tocar no mesmo assunto com ela. O Rock feito por garotas, no caso de Bianca, por mulheres. No Orkut e vamos lá:

“MarceLa: Olá! Faço jornalismo em Goiânia e gostaria de fazer uma entrevista online com vc sobre a sua carreira e a banda Bulimia para uma reportagem da faculdade. Você topa? Posso mandar as perguntas por email?”

Simpática, ela atendeu o pedido e ficamos um pouco mais perto da história do Bulimia. “Sempre quis montar uma banda. Já tinha entrado em algumas bandas, de meninos, claro, e já existia a ideia e vontade para montar algo só com as meninas”, contou Bianca Martim guitarrista do Bulimia. Assim como Lola e cia, o grupo não dominava muito bem os instrumentos, mas isso impediu nada. Foi apenas o ponto de partida. Bulimia porque é uma doença causada na busca, principalmente das mulheres, em alcançar um padrão de beleza impossível.

Certa vez, assistindo a MTV, Bianca ouviu uma das apresentadoras soltarem: “acho feio uma mina dar em cima de um cara” e nasceu a música Lute pela sua vida. Outra vez, as letras eram dedicadas às besteiras machistas ditas na televisão ou ironizando com a geração que cresceu ralando na boquinha da garrafa. “Crianças arregaçadas ralando o tchan na TV / Num programa brega de um dá cu do SBT / Um velho assiste e baba atiçando sua tara / Crianças estupradas desconhecem o porquê / Nós apoiamos a prostituição infantil / Nós somos o é o Tchan do Brasil.” // Bulimia – Orgulho do Brasil.

Bianca não limitava o trabalho como guitarrista da banda. Ela produzia um fanzine, distribuía as fitas gravadas pela banda (o ano era 1998), que com dados da própria cantora chegou à 3 mil vendas. Isso sem falar nas gravações piratas e no boom da internet. Em quase quatro anos de banda, elas viajaram, gravaram CD e ajudaram a modificar a vida de pessoas por ai. “Agora é normal ter meninas em bandas, é normal ter meninas nos shows... Na minha época, dava para contar quantas meninas tinham nos shows. As coisas mudaram muito.”

Verdade seja dita mudaram mesmo. A nossa baixista Lola que o diga. Com o passar do tempo ela conseguiu, enfim, ter uma banda de garotas reconhecida na cena local. A Girlie Hell acabou de lançar EP (CD com número menor de faixas), venceu um concurso paulistano com mais de 400 inscritos e o céu é o limite. Se ainda é punk ou feminista? Nenhuma coisa, nem outra. Mas as garotas chamam atenção pela forma com que abordam relações amorosas (será que há amor?). Lola diz que sim, mas não só: “nas letras nós mostramos que amamos os garotos, mas que eles não são a razão do nosso viver”. Rock’n’roll com pegada, cerveja e revela o que elas realmente querem com alguns garotos. “Boy, I like you, you good lookin, nice hair, great body, good car…Just want you tonight. Shut up!” Girlie Hell – Tonight.

Já para Cindy o caminho foi diferente. Embora ela ainda tenha pretensões musicais, a maior lição que ficou do movimento Riot Grrl foi o feminismo. Tanto que começou a militar em movimentos sociais aos 14 anos. Mesmo que ainda não esteja em atividade politica, Cindy considera-se uma “feminista de segunda onda”, ou seja, radical. “Mesmo que o tempo tenha passado e um pouco de maturidade agregada, ainda acredito que somente a via revolucionária colocará homens e mulheres em igualdade real”.

Há mais de dez anos do início do Bulimia, abrir o email ou o Orkut ainda causa algumas supresas para Bianca. Meninas de todo o país, ainda entram em contato com a artista para contar como a influência da banda foi importante em suas vidas. Para Cindy, o Riot Grrl foi uma espécie de ponta pé para a descoberta do feminismo. “Qualquer outra coisa poderia impulsionar essa mudança nas meninas e fico feliz que o Bulimia cumpra esse papel”. Assim, ela continua sua carreira nos vocais da banda Pulso e trata da temática de uma forma diferente. “Somos escravos-fugitivos de nossa liberdade e a tal felicidade da qual tanto falam está logo ali, atravessando as convicções” (Pulso – Avante!). Riot Grrls never die.

** trechos de músicas do Bulimia.


p.s.: Esse texto foi feito originalmente para a disciplina Jornalismo Literário, do meu curso de Jornalismo (dert, óbvio). Se ficou literário... já é outro assunto, bjs!